No post de hoje, quero falar sobre A Missa da Meia-Noite (Midnight Mass), série de 2021 criada por Mike Flanagan e disponível na Netflix. Eu sei que não é um lançamento recente, mas acabei de assistir e achei que valia muito a pena comentar aqui no blog. É uma produção que mistura religião, dilemas humanos e um elemento sobrenatural que muda completamente a vida de uma comunidade isolada.
⚠️ Aviso: este artigo contém spoilers importantes sobre a série, incluindo detalhes do final. Se você ainda não assistiu e quer manter a surpresa, recomendo voltar a este post depois de ver todos os episódios.
Enredo e personagens principais
A Missa da Meia-Noite se passa em Crockett Island, uma pequena comunidade pesqueira isolada do continente. Com poucos moradores e uma economia enfraquecida, a vida na ilha segue um ritmo lento, marcado por tradições religiosas e laços familiares. Esse equilíbrio começa a mudar quando Riley Flynn, um jovem que havia deixado a ilha após um acidente fatal causado por dirigir embriagado, retorna para morar com os pais. Ao mesmo tempo, um novo padre, Paul Hill, chega para substituir o monsenhor local, que supostamente está viajando.
Vista aérea fictícia de Crockett Island, cenário principal da série A Missa da Meia-Noite.
Fonte: Imagem gerada por IA
Os moradores são figuras centrais para a narrativa. Erin Greene, professora e amiga de infância de Riley, representa um olhar mais racional e emocional sobre os acontecimentos. Bev Keane, uma paroquiana extremamente devota, se destaca como a voz mais rígida e fanática da comunidade. O xerife Hassan, muçulmano e recém-chegado com seu filho, enfrenta preconceito e desconfiança por parte de alguns moradores, mas mantém sua postura ética e protetora.
A série se desenvolve a partir das interações entre esses personagens e as mudanças que começam a ocorrer na ilha. Milagres e eventos inexplicáveis passam a acontecer, despertando tanto fé quanto suspeitas. Aos poucos, fica claro que há algo de muito estranho envolvendo o padre Paul e que o destino da comunidade está diretamente ligado à presença de uma criatura misteriosa.
A chegada do novo padre
O padre Paul Hill chega a Crockett Island como substituto temporário do monsenhor Pruitt, figura respeitada que estaria ausente devido a uma viagem. Sua presença é marcante desde o início: ele fala com eloquência, se conecta rapidamente com os fiéis e demonstra conhecer a realidade da comunidade. A atuação de Hamish Linklater é um dos destaques da série, transmitindo carisma e sutileza, mas deixando no ar uma sensação de que há algo fora do lugar.
Logo nas primeiras missas, o padre consegue atrair cada vez mais fiéis. Seus sermões são emocionantes e passam uma mensagem de renovação para uma comunidade acostumada à rotina e à estagnação. A câmera e a narrativa dão tempo para o espectador observar cada reação, mostrando como as palavras dele começam a influenciar profundamente os moradores.
Padre Paul Hill conduz uma missa na pequena comunidade de Crockett Island.
Fonte: The Conversation
Ao mesmo tempo, há pequenos detalhes que despertam desconfiança em quem assiste. O modo como ele evita falar muito sobre o paradeiro do monsenhor, as ausências misteriosas e até o olhar fixo que mantém em certas situações indicam que sua história vai além da versão oficial. Esse clima de dúvida é um dos elementos que sustentam o suspense nos primeiros episódios.
Os milagres e a mudança na comunidade
Após a chegada do padre Paul, acontecimentos inesperados começam a transformar a vida na ilha. A jovem Leeza Scarborough, que vivia em uma cadeira de rodas, volta a andar após receber a bênção durante uma missa. Um homem idoso, antes debilitado, recupera a lucidez e a energia. Esses eventos são recebidos como sinais divinos, reacendendo a fé e o entusiasmo entre os moradores.
Esses milagres não são mostrados de forma exagerada; pelo contrário, a direção opta por retratar as reações humanas de forma contida, o que torna tudo mais crível. A devoção da comunidade aumenta, e o número de pessoas nas missas cresce rapidamente. Bev Keane, interpretada por Samantha Sloyan, se torna a principal apoiadora e defensora do padre, reforçando a ideia de que a ilha está vivendo uma verdadeira renovação espiritual.
Porém, a série deixa claro que esses eventos têm um custo. Pequenos indícios de que há algo errado começam a surgir: comportamentos estranhos, mudanças físicas e até mortes misteriosas. O público passa a perceber que, por trás dos “milagres”, existe uma causa sombria que ainda não foi revelada aos personagens.
Riley Flynn e o peso do passado
Riley é um personagem central não apenas pela sua história pessoal, mas pelo papel que desempenha como contraponto ao fervor religioso que toma conta da ilha. Depois de cumprir pena por matar uma jovem em um acidente de carro, ele retorna para viver com os pais e tentar recomeçar. Diferente da maioria dos moradores, Riley mantém uma postura cética em relação aos milagres e às mudanças trazidas pelo novo padre.
Sua relação com Erin Greene, interpretada por Kate Siegel, é um dos pontos mais humanos da série. Os diálogos entre eles abordam temas como arrependimento, morte e propósito de vida, trazendo uma camada emocional importante para a narrativa. Essas conversas também servem para mostrar como Riley lida com a culpa e a dificuldade de se reconectar com a fé.
Com o passar dos episódios, Riley se vê cada vez mais próximo da verdade sobre o que está acontecendo. Sua trajetória é marcada por um dilema: confrontar o que descobriu e tentar salvar quem ama ou aceitar o destino que a maioria da comunidade parece abraçar cegamente.
A origem da Criatura (Um Vampiro, Certo?)
O grande mistério da série envolve a criatura trazida para a ilha pelo padre Paul. Ao longo dos episódios, descobrimos que o monsenhor Pruitt, durante uma peregrinação a Israel, se perdeu no deserto e encontrou um ser alado, com aparência assustadora e sede de sangue. Ao interpretar a criatura como um anjo, ele acreditou que estava recebendo um presente divino capaz de rejuvenescer e curar.
Esse encontro muda completamente a vida do monsenhor, que retorna à ilha rejuvenescido e sob uma nova identidade — a do padre Paul Hill. A criatura, por sua vez, passa a ser mantida em segredo, aparecendo apenas em momentos-chave para ajudar a “realizar milagres” através da transfusão de seu sangue aos fiéis, misturado discretamente ao vinho da comunhão.
Riley Flynn em primeiro plano, com a criatura de aparência vampírica ao fundo, em uma das cenas mais marcantes de A Missa da Meia-Noite.
Fonte: Screen Rant — Link
A série não rotula a criatura como vampiro, mas suas características deixam claro para o espectador que se trata de algo muito próximo dessa figura do folclore: sensibilidade à luz, sede de sangue e imortalidade. É justamente esse contraste — a fé cega dos personagens versus a percepção clara do público — que torna a história ainda mais inquietante.
Fé e fanatismo
Um dos pontos mais fortes da narrativa é a forma como ela explora a linha tênue entre fé genuína e fanatismo. A população de Crockett Island, fragilizada por problemas econômicos e perdas pessoais, vê nos milagres do padre Paul uma chance de recomeço. O desejo de acreditar é tão grande que eles aceitam explicações vagas e ignoram sinais evidentes de perigo.
Bev Keane é o melhor exemplo dessa cegueira coletiva. Extremamente devota, ela interpreta todos os eventos como parte de um plano divino e manipula passagens bíblicas para justificar atos cada vez mais extremos. A personagem mostra como o fanatismo religioso pode ser usado para encobrir crimes e convencer outros a cometer atrocidades em nome da fé.
O roteiro não apresenta respostas simples sobre religião, mas levanta questões sobre até que ponto a fé pode ser deturpada para servir a interesses individuais. Ao longo da série, o público vê como pessoas comuns, diante de promessas de salvação, podem se tornar capazes de ações impensáveis.
O desfecho da história
Nos episódios finais, a verdade sobre a criatura e os planos do padre Paul vêm à tona. A comunidade é colocada diante de uma escolha: abraçar a “vida eterna” oferecida pela criatura ou resistir, sabendo que isso pode significar a morte. A tensão cresce até chegar a um clímax intenso durante a madrugada da Páscoa.
O que se segue é uma série de decisões desesperadas, em que alguns personagens tentam impedir que o mal se espalhe para fora da ilha. O confronto final é marcado por perdas dolorosas e pela destruição da própria comunidade. Sem chance de fuga, a maioria dos moradores enfrenta a consequência inevitável daquilo que escolheram acreditar.
O final é sombrio e deixa poucas brechas para interpretações otimistas. A destruição da criatura e o amanhecer trazem um senso de encerramento, mas também um peso emocional para quem acompanhou a trajetória desses personagens.
Minha opinião sobre a série
Eu gostei muito de A Missa da Meia-Noite, principalmente pelo roteiro e pelas atuações. A forma como a série constrói a tensão sem depender de sustos fáceis me prendeu do início ao fim. Os diálogos são bem escritos e fazem a gente refletir sobre temas como fé, redenção e a facilidade com que as pessoas podem se deixar levar por promessas de salvação.
No entanto, algo me incomodou: ninguém em momento algum parece cogitar que a criatura possa ser um vampiro, mesmo com todos os sinais evidentes. Entendo que, dentro da lógica da história, os personagens acreditem estar diante de um anjo, mas como espectador, fica difícil não pensar nessa omissão. Senti falta também de explicarem um pouco a origem da criatura. Ok, eu entendi que ela estava na Caverna perto de Israel, mas como ela chegou lá: Ela não transformou ninguém antes do Padre Paul? Poderiam ter deixado a criatura viva e expandir a serie para uma segunda temporada.
Ainda assim, considero a série uma das produções mais interessantes da Netflix nos últimos anos. Ela equilibra bem drama e terror, sem cair em clichês, e entrega uma história que é viciante.
Referências
Screen Rant — Midnight Mass: The Vampire Was Wasted (For A Reason). Disponível em: https://screenrant.com/midnight-mass-vampire-wasted-reason/. Acesso em: agosto de 2025.
The Conversation — Netflix’s Midnight Mass joins a long line of horror that plays with Catholic beliefs. Disponível em: https://theconversation.com/netflixs-midnight-mass-joins-a-long-line-of-horror-that-plays-with-catholic-beliefs-170767. Acesso em: agosto de 2025.
TV Insider — Midnight Mass. Disponível em: https://www.tvinsider.com/show/midnight-mass/. Acesso em: agosto de 2025.